Victória sobre o Sol

CATEGORIA: CATEGORY: Exposições Colectivas

Exposição colectiva Victória sobre o Sol, curadoria de António Olaio, Colégio das Artes UC, Coimbra

Tcherni Kvadrat
(sobre a exposição “Victória Sobre o Sol – From Black Square to Loophole”)

Muitas vezes associado no tropismo teleológico do Modernismo, ao cul de sac da pintura auto-referêncial, ao labirinto autotélico e ateístico da forma anti-mimética pura, o Quadrângulo Negro (1915), a paisagem da inobjectividade, de Kasimir Malevitch, constituiu uma espécie de emblema liminar da crise entre significante e espiritualidade. Uma das caixas de Pandora a que se refere Rosalind Krauss no seu texto Grids (1979), o quadrado, que Malevich considerava ser a imagem da vida moderna, seria também a tábua rasa necessária para colocar a pintura ao serviço de uma nova relaçãoentre imagem e teoria. Sistema artístico e filosófico, portanto, esta pintura articula a escassez visual (pouco há para se ver) e a expansão/variação semântica. A minimização pictórica abre a porta a uma hermenêutica inconclusiva e borderline: Malevitch testemunha o medo do novo e a euforia libertadora que tomou conta das suas impressões e hesitações depois de terminar a pintura. A imagem que não corresponde em absoluto a um quadrado, (os lados não são paralelos nem são iguais), nasce inicialmente do seu Alogismo, um avatar pictórico cubo-futurista do “Zaoum”, da transracionalidade do seu amigo, o poeta modernista russo Velimir Khlebnikov; mas resulta sobretudo, como uma experiência do acaso, do imprevisto, dos inúmeros estudos cénicos para a opera Vitória sobre o sol (1913) de Mikhail Matiouchine.

Será na exposição 0.10 –a última exposição futurista que decorreu na Galeria Nadieja Dobytchina de Dezembro de 1915 a Janeiro de 1916, em Petrogrado (uma das mais visitadas exposições de arte de vanguarda com mais de 5000 visitantes num período tão curto) que Malevitch exibirá finalmente já como pintura o “Tcherni kvadrat” (Quadrângulo negro). Quer a sua sala suprematista quer os contra-relevos de canto de Tatlin constituem o epílogo de uma dependência histórica em relação à visualidade gaulocêntrica pós-impressionista e simbolista e a emancipação definitiva dos artistas de vanguarda russa em relação à experiência poética e plástica futurista.

Emblema inerme, tumulto e organização,  membrana taciturna, knock-out magnético que tudo engole, regresso às origens do pictórico, o quer que o Quadrângulosignifica, quaisquer que sejam as relações que se estabeleçam, a superfície está, ali, expectante: uma forma à procura de sentido. E não terá sido apenas por derrisão iconoclasta que Malevitch colocou esta pintura no lugar onde tradicionalmente nas entradas das casas russas de credo cristão ortodoxo se colocava o ícone do triângulo sagrado e para onde os inquilinos se viraram quando entravam. Uma pintura secular ocupa o nicho parietal reservado ao divino. E essa transferência comunica-nos que estamos diante de um acontecimento histórico que já não se resume à alteridade e à tradição da pintura mas ao papel performativo da Arte no mundo dos vivos, na transformação desse mundo, na investida do seu nada magnético, contra os lugares-comuns sensoriais, culturais, racionalistas da vida-superfície.

Numa conferência pronunciada em 1922 em Berlim, intitulada “A conquista da Arte” El Lissitzky, o “Lenine” do Suprematismo, aborda o Quadrângulo Negro em termos que o acentuam como um autêntico programa de ação, um programa de posteridade e de irreversibilidade, uma comoção tectónica “et sic in infinitum”, até ao infinito: “(…) Ele quis reduzir todas as formas, todas as pinturas ao zero. Para nós, contudo, este zero era um ponto de transição. Quando temos uma série de números provenientes do infinito…6,5, 4,3,2, 1 e que chegam ao zero logo a seguir temos uma linha ascendente de números que regressam ao infinito 1,2,3,4,5,6…Essa linha expande-se no outro lado da pintura. Disse-se algures que os séculos trouxeram a pintura até este quadrado e que aqui não se encontra mais nada. Nós afirmamos. Contudo, que se deste lado a laje do quadrado bloqueou o já estreito canal da pintura mas do outro lado, em contrapartida, ele tornou-se a pedra fundacional para a nova construção espacial da realidade.” É deste outro lado do quadrângulo suprematista e numa posição remota do zero, que definimos  a intenção curatorial desta Exposição.

Pedro Pousada, 2018

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