Do salão ao cubo branco (2020)

Artigo por Ana Martins, in Umbigo Magazine, 01.04.2021

Que horas são que horas: uma galeria de histórias, com curadoria de José Maia, Paula Parente Pinto e Paulo Mendes, patente na Galeria Municipal do Porto, é uma exposição sobre a história das galerias de arte do Porto, entre o anos de 1940 e a contemporaneidade, através de uma reflexão que dá lugar à compreensão acerca das relações entre artistas, espaços culturais e espectadores, que se reflete numa cenografia envolta num ambiente arquivístico pleno de personagens, práticas artísticas e documentação diversa.

No ano de 2001, quando a cidade do Porto foi Capital Europeia da Cultura, o Museu de Arte Contemporânea de Serralves realizou a exposição Porto 60/70: Os Artistas e a Cidade. No catálogo, os curadores Fátima Lambert e João Fernandes, apelavam a um estudo mais desenvolvido sobre as décadas apresentadas, sobretudo da “vida e a história de instituições, estruturas e associações culturais”. Neste momento, concretizadas algumas investigações sobre a temática, Que horas são que horas, não é somente um projeto antológico, mas como nos indica a folha de sala, um discurso assente na afirmação: “Contra o regime ou com o seu apoio, num vazio institucional ou alimentando museus, isolada ou globalizada, central ou periférica, herdeira de um contexto social conservador isento de discurso crítico e resistente à inscrição de novas gerações de artistas, a paisagem histórica das galerias de arte no Porto é feita de cidadania e comércio, de uma arte não apenas de culto, mas com valor de troca: uma galeria de histórias.”

Que horas são que horas é um retrato retrospetivo, com uma cenografia característica do trabalho do artista visual e curador Paulo Mendes, onde nos sentimos perante uma espécie de arquivo, repleto de caixas de transporte, que servem de suporte a um conjunto de fotografias, revistas de arte, ou vídeos de inaugurações. Ao longo do percurso somos levados por várias direções, com múltiplas práticas artísticas, que foram expostas nas galerias, mas também documentação, como catálogos, material de divulgação, ou provas de contacto, dispostos em estruturas industriais, assim como uma cronologia, em que compreendemos os espaços, as obras e os artistas, que fazem parte da história do Porto, desde Amadeo de Souza Cardoso, a Ana Hatherly, ou a Mauro Cerqueira. Igualmente é dada importância à imagem em movimento, apresentada em blackbox, monitor, ou projetor, destacando-se O Pintor e a Cidade (1956) de Manoel de Oliveira, o seu primeiro filme a cores em que nos mostra o Porto daquela época, projetado à escala de toda a parede de fundo da Galeria, conferindo-lhe um grande dramatismo e relacionando a exposição com a história da cidade. Do mesmo modo, distinguimos a obra de Mafalda Santos, realizada propositadamente para este projeto: um painel, com um mapa das instituições e protagonistas da narrativa que nos está a ser contada.

O título da mostra, apropriado de uma série de pinturas de Álvaro Lapa, poderá ser lido como a imaginação provier. Que horas são que horas. Horas de crise pandémica, social e económica. Horas de isolamento, silêncio, vazio. Horas em que os espaços culturais estão fechados. Horas em que os apoios à cultura são relegados para segundo plano. Horas em que não podemos permitir que encerrem permanentemente as “poucas” estruturas culturais.

A exposição patente na Galeria Municipal, que no passado já realizou projetos sobre a vida artística da cidade, como Musonautas, Visões & Avarias (2018), ou 100 Tesouros da Biblioteca Pública Municipal do Porto (2016), veio iluminar um campo de estudo premente, para pensarmos a cultura do Porto. Refletir sobre a história das galerias de arte, para além de nos volver ao passado e fazer questionar o presente é também construir e criar propostas para o futuro. Terminando com uma citação de Fernando Pernes em Memórias Imprecisas do catálogo da exposição no Museu de Serralves anteriormente mencionada: “O resto será silêncio que só juízos futuros irão, talvez, quebrar. Enquanto envelhecem e entristecem os humilhados e ofendidos contemporâneos dum tempo ainda próximo mas já pretérito, a distanciar-se.”

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