ONE DAY EVERY WALL WILL FALL (2009)

CATEGORIA: CATEGORY: Exposições Individuais

Exposição individual na Galeria Presença, Porto

ONE DAY EVERY WALL WILL FALL

“One day every wall will fall: Select Chronology of art and politics after 1989”* é o ponto de  partida para a construção de um mapa cronológico, que introduz a exposição de Mafalda Santos, na Galeria Presença.
Esta cronologia, realizada em 2005, faz um selecção restrita de eventos políticos e culturais mundiais que marcaram a Europa pós queda do Muro de Berlim, na tentativa de estabelecer um paralelo entre o desenvolvimento da globalização e o crescimento e evolução de bienais e exposições internacionais de grande escala por todo o mundo.
“Irgendwann fällt jede Mauer” (traduzido para inglês: ”One day every wall will fall”) encontrava-se graffitado sobre o muro de Berlim antes da sua queda em 1989, como que profetizando a ruína de tantos outros muros: do comunismo, do apartheid, de fronteiras nacionais,… No mesmo ano é criada a World Wide Web, por Tim Berners-Lee, enquanto trabalha na Organização Europeia para Investigação Nuclear, na Suíça: a “Rede de alcance mundial” que viria alterar radicalmente a concepção global de espaço, de tempo e de acesso à informação.
A Internet, como viria a ser chamada, veio finalmente derrubar todas as fronteiras, perspectivando o mundo não somente de uma forma linear mas em rede.
As obras, que se apresentam na Galeria Presença, sondam estes novos territórios e exploram a noção de interface como uma nova janela para o mundo. Apropriando-se da figura da amostra de cor do catálogo de tintas de Belas Artes (num diálogo mais estreito como o campo da Pintura), os trabalhos jogam com questões ligadas à visualização e comportamento de elementos num interface digital e o espaço e fronteiras que virtualmente definem.  As composições pictóricas emulam a organização dos diferentes itens num écran, em sequências que mimetizam uma visualização em cascata, o movimento de um “screen saver” ou de leitura de um “scroll”, que estende como um mapa de um extenso território ainda por cartografar.
*in “The Manifesta Decade-Debates on Contemporary Art Exhibitions and Biennials in Post-Wall Europe”, A Roomade Book, MIT Press 2005

PARA CÁ DO MURO, GISELA LEAL
artigo de Gisela Leal, Artes & Leilões, novembro 2009
A actual exposição de Mafalda Santos na Galeria Presença, no Porto, decorre inicialmente da referência explícita a um texto que se propôs desvendar e mapear as principais exposições internacionais de grande envergadura, desde a queda do Muro de Berlim, a par dos principais acontecimentos políticos que tiveram lugar desde esse mesmo ano de 1989 (“The Manifesta Decade”, MIT Press, 2005). A artista, não surpreendendo pelo processo de desenvolvimento de um discurso – porque coerente com a linguagem que vem utilizando nos seus trabalhos desde os primeiros passos expositivos – acrescenta com este trabalho uma nova vertente ao seu âmbito processual e de abordagem: a relação entre o universo artístico (e já não apenas o local) e a história mundial recente.
Resgatando o título ao ensaio que serve de ponto de partida à exposição, “One Day Every Wall Will Fall” situa-nos com clareza num período histórico onde o questionamento e redefinição de fronteiras – sejam geográficas, ideológicas ou comerciais – vem condicionando a reorganização política da Europa. Como um registo do ritmo cardíaco do mundo dos últimos 30 anos, as duas telas da entrada da exposição resumem numa abordagem aparentemente simples a complexidade da organização mundial. Talvez aqui se situe o principal ponto de interesse deste trabalho: a atribuição de uma linearidade imagética como que contraria – opondo-se até – a não-linearidade que serve de pressuposto aos sistemas de organização da informação no mundo contemporâneo.
Mas são simultaneamente outras as fronteiras de que aqui se trata e, nestas, a representação do não-linear assume outra importância: são as fronteiras do acesso à informação e da organização do conhecimento individual, correspondendo o mesmo período cronológico em análise ao momento em que foi criada (também no ano de 1989) e se vem desenvolvendo a mais famosa rede de informação: a world wide web.
Da representação do real histórico para a do virtual, Mafalda Santos prossegue então, servindo-se da figura da amostra de cores de um catálogo de tintas, para a representação da organização do espaço virtual. Neste novo universo, onde se cruza e condensa o conhecimento universal na potencialidade do desenvolvimento individual, as camadas de informação encontram-se comprimidas em pastas que, pela mão da artista, são agora representadas pelo movimento dentro do seu próprio espaço representacional – o ecrã. Agora em acrílico sobre tela, estas pastas e o movimento que reproduzem sugerem uma exploração da dissipação das fronteiras no acesso à informação.
No trabalho final, há como que um regresso ao ponto inicial da exposição (a caligrafia nas duas primeiras telas é agora substituída por um carimbo). Em Down Scroll, um desenho de grandes dimensões que se estende pelo chão vindo da parede, o esforço humano é representado por um caminho labiríntico, o mesmo que cada homem vai desenhando no seu processo individual de adaptação a um sistema de redes e de sedimentação do seu próprio conhecimento: a inevitabilidade do erro é acompanhada por um gradual espaçamento da acção.

CONSCIÊNCIA HISTÓRICA, ÓSCAR FARIA
artigo de Óscar Faria, Jornal Público, 13 de novembro 2009
Entre a abstracção e realidade, a nova exposição de Mafalda Santos, no Porto

Mafalda Santos (Porto, 1980) foi uma das programadoras do PêSSEGOpráSEMANA (2002-2007), um dos espaços geridos por artistas mais activos do Porto. É a partir desse contexto colectivo, independente, do qual fazem parte muitas outras estruturas que a obra da artista se afirma, um traço também comum a muitos nomes da sua geração. Ali, no espaço de uma antiga casa da rua de Antero de Quental, realizou, em 2004, a sua primeira exposição individual, uma mostra formada por pinturas de grandes dimensões, onde se observavam reticulas ou redes, que desenhavam uma espécie de topografia de um terreno anónimo, abstracto – essa estrutura está na base da intervenção por si realizada no âmbito da colectiva “7 Artistas ao 10º Mês” (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2005).
A forma como o mundo pode ser lido a partir das suas redes – sociais, afectivas, profissionais, etc. – ou genealogias e o modo como estas tendem para um esquema labiríntico têm sido assuntos recorrentes no trabalho de Mafalda Santos. No âmbito de uma colectiva organizada pelo PêSSEGOpráSEMANA nas salas de exposições do Maus Hábitos, bar situado na baixa do Porto, a artista apresentou “BlackBoard” (2005), uma espécie de biombo negro sobre o qual inscreveu, tomando como modelo a organização por pastas usada nos computadores, os protagonistas, acontecimentos, lugares e publicações da cena independente portuense, fixando para a posteridade um momento sem paralelo no país – esta situação, iniciada cerca de 1999, continua ainda a prolongar-se em diversos projectos, como A Sala, Uma Certa Falta de Coerência e o mais recente Fundação.
A reconversão em pintura de uma figura, a pasta, fornecida pelos computadores de modo a facilitar a organização de documentos, aponta desde logo para necessidade da artista visualizar num mesmo plano, em extensão, algo que tem como objectivo ocupar o mínimo espaço num ecrã. O confronto com a complexidade do real, oculta pela estrutura, é dada pelo pictórico, a forma encontrada por Mafalda Santos apreender o mundo, de lê-lo na sua duração e não instantaneamente. Ao tornar visível um esquema geral – no caso de “Ambiente de Trabalho”, um mural com 500×340 cm realizado no âmbito do projecto Terminal (Fundição de Oeiras, 2005), essa materialidade era particularmente esclarecedora das redes existentes no contexto artístico nacional -, a autora evidencia a dificuldade em lidar com essa situação, pois aquilo que é dado pelo desenho é apenas uma abstracção de acontecimentos inscritos no tempo: ali vê-se apenas uma superfície constituída por formas e nomes.
Em “Too Loud a Solitude”, um outro mural realizado no Mad Woman in the Attic (Porto, 2006), Mafalda Santos organiza as pastas, o arquivo, já não segundo um esquema tipo “árvore”, mas através da sugestão do movimento que elas poderiam fazer enquanto “screen savers”, deixando atrás de si o rasto da passagem pelo ecrã – organizou ainda a instalação com um outro tipo de construção visual, na qual cada pasta com um nome escondia atrás de si uma sucessão de outras, contudo, mesmo neste caso, elas nunca se cruzavam com um outro conjunto, ao contrário do que sucedia antes com os esquemas em rede.
Na actual exposição, Mafalda Santos prolonga as suas experiências anteriores. Assim, em “One day every wall will fall” propõe um trabalho no qual, sobre uma grelha previamente estabelecida, se observa uma cronologia que coloca em paralelo factos políticos com exposições internacionais realizadas após a queda do muro de Berlim, em 1989. Formalmente situada entre a abstracção dada por uma sucessão de finas linhas verticais – numa escala progressiva de tons cinzentos – e a caligrafia que nomeia os factos retirados do livro “The Manifesta Decade” (MIT Press, 2005), esta obra serve para tornar claro como o fenómeno das bienais se globalizou nas duas últimas décadas, um período de tempo também associado ao nascimento e expansão da World Wide Web, uma espécie de nova fronteira planetária. A consciência histórica produzida quer pela produção, quer pela observação desta pintura – constituída, de facto, por duas telas – é também um dado a ter em conta na sua análise: os factos nela descritos deixam de fora muitos mais, contudo, este ponto de vista pode ser encarado como o início de outras investigações centradas no período em questão. Nos outros trabalhos apresentados na galeria Presença, Mafalda Santos apropria-se de catálogos com amostras de cor para uma série de obras – “1/4 Saved”, “2/4 Saved”, etc. – onde é visível a contradição, o paradoxo, entre aquilo que é representado – “(…)uma visualização em cascata, o movimento de um ”screen saver” ou de leitura de um ”scroll”” – e o meio usado para a representação, a pintura, considerado obsoleto relativamente às novas tecnologias. A exposição, com uma montagem eficaz, termina com “Down scroll”, desenho extenso (950×150 cm), realizado com recurso a um carimbo. Aqui, diante deste labirinto sem nomes, feito pela repetição incessante de um gesto sobre uma folha de papel, volta a manifestar-se uma diferença de ordem plástica, uma distinção ancorada numa prática tradicional; mesmo que seja de ordem mecânica, como é o caso – sente-se a presença do toque humano, da imperfeição gerada por um corpo em acção. E é também por aqui que se abre um território inesgotável, no qual realidades aparentemente distantes – os computadores, o comércio de tintas – se cruzam numa tela, deslocando os sentidos de modo a criar outras singularidades, um mundo sem fronteiras.

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